Nas relações cíveis e empresariais, é milenar a parêmia na qual dita que a boa-fé sempre se presume, enquanto que a má-fé deve ser demonstrada.
Muito embora tal presunção seja um princípio geral de direito universalmente aceito, a praxe forense, especialmente em processos envolvendo discussões entre credores e devedores, revela um cenário muito lamentável, de situações consistentes em fraudes patrimoniais e de deterioração de bens e garantias.
Em algumas ocasiões mais sérias, o credor pode ter a faculdade de instaurar procedimentos criminais para apurar a conduta praticada por alguns devedores, desde que haja provas contundentes.
Abaixo estão alguns tipos penais que podem ser verificados em um processo judicial visando a recuperação de um crédito:
. Estelionato na modalidade “disposição de coisa alheia como própria”: este crime está previsto no art. 66-B, § 2º, da Lei nº 4.728/65, c.c. o art. 171, § 2º, I, do Código Penal, e se configura quando o devedor fiduciante acaba por defraudar a própria garantia de cessão fiduciária regularmente constituída, vendendo, por exemplo, veículo gravado por alienação fiduciária, negociando coisa alheia como própria, com nítido intuito de obter vantagem indevida, em detrimento de terceiro.
· Fraude à execução – Crime previsto no art. 179 do Código Penal. Para que se configure tal delito, é necessário o preenchimento dos seguintes requisitos: (i) a existência de uma sentença a ser executada ou de uma ação executiva em andamento; e o (ii) conhecimento da existência da lide e a vontade livre e consciente de fraudar a execução proposta pelo credor. O crime do art. 179 do CP é de ação penal condicionada à representação, pelo que decorrido o prazo legal sem que esta seja apresentada, impõe-se a extinção da punibilidade pela decadência. Trata-se de um crime de menor potencial ofensivo no qual é competência do Juizado Especial Criminal, sendo certo que o Ministério Público pode propor a suspensão condicional do processo, desde que o acusado não esteja sendo processado ou não tenha sido condenado por outro crime;
· Crime de dano simples – Esta modalidade delituosa está prevista no artigo 163 do CP e se tipifica quando o agente, mediante vontade livre e consciente, destrói, inutiliza ou deteriora coisa alheia de propriedade de um credor, por exemplo. Observa-se que o crime é de ação penal privada, que deve ser iniciada por queixa-crime do ofendido no prazo de seis meses (art. 38 do CPP).
· Fraude processual – Previsto no art. 347 do Código Penal, a fraude processual também é conhecida como estelionato processual. Este delito se consuma quando o agente empreende de maneira ardilosa, aplicar inovação processual que saiba ser artificial, tendo como único objetivo induzir o juízo ou o perito a erro. Um exemplo característico de fraude processual seria a falsa comunicação do estado de lugar, ou da coisa, no decorrer do processo. A natureza da ação penal é pública incondicionada e é processado perante o Juizado Especial, vez que trata-se de infração considerada de menor potencial ofensivo e pena máxima igual a 2 anos.
· Evasão de divisas – O crime de evasão de divisas (artigo 22, Lei 7.492/1986), versa sobre a tipificação de operações cambiais não autorizadas que tenham como fim exclusivo, a evasão de divisas ou de moeda, via operação interbancária ao exterior, ou seja, fora do alcance e controle monetário governamental. Trata-se na origem de Norma penal em branco, com base legal parcialmente capitulada através de legislação infraconstitucional, tais como atos normativos emitidos pelo Conselho Monetário Nacional (CMN). É de suma importância destacar que a lei penal não pune qualquer tipo de operação cambial estrangeira, mas somente aquelas que envolvam montante superior ao limite regulamentar nacional, ficando dispensado do registro no Sisbacen de operações cambiais de valor inferior a R$ 100 mil reais.
· Crimes falimentares – A Lei de Recuperação Judicial e Falências prevê diversos crimes (Lei nº 11.101/2005). Dentre eles, destaca-se o tipo penal de Fraude Contra Credores previsto no artigo 168 da referida Lei. A norma prevê pena máxima de até 06 (seis) anos, e se configura quando o sócio da massa falida pratica, antes ou depois da sentença da quebra, ato fraudulento capaz de prejudicar os credores. Um exemplo deste crime se dá no momento em que o sócio da massa falida obtém para si, indevidamente, valores da conta corrente da empresa falida, prejudicando os credores.
Pretendeu-se abordar, neste artigo, de maneira sucinta, alguns crimes que podem ser observados com frequência em processos judiciais em que credores estão objetivando satisfazer seu crédito, seja em um processo de execução ou até mesmo na Recuperação Judicial e na Falência.
Assim, podemos concluir que a adoção de medidas criminais pelo credor, a depender do caso concreto, e se forem bem demonstradas, podem caracterizar-se como mais um meio coercitivo imponente para reaver o crédito inadimplido.
Em caso de dúvidas supervenientes, fiquem à vontade para nos contatar.
Vitor Gomes Rodrigues de Mello é advogado especialista em Recuperação de Crédito e Recuperação Judicial. Membro efetivo da Comissão de Direito Bancário da OAB/SP. Pós-Graduado em Direito Civil e Processo Civil pela Escola Paulista de Direito. Autor de diversos artigos jurídicos publicados em revistas especializadas. e-mail: [email protected]
Felipe Augusto Nunes Monea é advogado especialista em Direito Bancário, Securitização e Recuperação de Crédito. Sócio do escritório Rodrigues & Monea – Sociedade de Advogados. Pós-graduando em Direito Imobiliário, Direito Penal e Processual Penal pela Escola Paulista de Direito. Pesquisador Colaborador do Instituto Brasileiro de Ciências Criminais. e-mail: [email protected]